História do macaco trocista e do elefante que não era para graças

















«Aquela companhia de saltimbancos trazia entre outros animais um elefante, uma girafa e um macaco. O elefante era o arre-burrinho de todos; tocava-lhe fazer os trabalhos pesados e mais difíceis, pois além de muito forte e submisso não era peco em inteligência. Ia à lenha para o lume, à fonte buscar água que transportava numa caldeira suspensa da tromba, e quando mudavam de terra a ele cabia carregar com barracas, gaiolas e caixas em cima do lombo, enquanto a girafa puxava uma leve carrocinha e o macaco não fazia outra coisa senão divertir-se e mostrar-se engraçado a torto e a direito. Este bicho irrequieto não parava um instante; tão depressa subia pelo pescoço da girafa como, pendurado pelo rabo, saltava para a cernelha do elefante, não achando nada melhor do que ir sentar-se no planalto das suas orelhas, donde se baloiçava e despedia as chufas do costume:
─ Patudo, orelhudo, nada lãzudo, tromba de canudo, andas ou fazes que andas? Minha lesma de paquiderme! ….
O elefante gostava pouco daquelas facécias e mais de uma vez estivera para atirar com ele ao chão; valera-lhe a intervenção da girafa que aparecia sempre com a bandeira da misericórdia nas disputas que estalavam entre os dois.
Mas tantas vezes vai o cântaro à fonte que deixa lá a asa. Um dia o elefante perdeu as estribeiras com a mofa: furioso agarrou no símio pelo rabo e fê-lo andar à volta com toda a velocidade como se tratasse de lançar a pedra duma funda. E animado do fôlego todo jogou-o ao ar.
O macaco, como era leve, subiu, subiu muito alto e direito no céu; descreveu, em seguida, graciosa e lenta trajetória e foi cair por cima duma macieira camoesa que estava mesmo a vergar com as maçãs.
─ Nem sorte de cão ─ malucou consigo.

E, como a viagem pelo ar lhe fizera fome, rompeu logo em grande manducação. Comeu, atafulhou para o estômago, e de papo regalado, a tocar castanholas, se apresentou no acampamento.





Autor
AQUILINO RIBEIRO

(Sernancelhe, Carregal, 13 de Setembro de 1885 — Lisboa, 27 de Maio de 1963) foi um escritor português.

É considerado, por alguns, como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Inicia a sua obra em 1907 com o folhetim "A Filha do Jardineiro" e depois, em 1913, com os contos de Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.

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